Reenquadramentos urbanos



Reenquadramentos urbanos


Arquitetura e fotografia mantêm uma ligação complexa e retroativa.
No sentido etimológico, a fotografia escreve com a luz, ao passo que "a arquitetura é o hábil, correto e magnífico jogo de volumes montados sob a luz" (Le Corbusier).
A arquitetura participa da formação do inconsciente primitivo da cultura espacial do indivíduo, em particular do fotógrafo, e portanto contribui para sua percepção.

Pierre Bourdieu afirma que "é comumente aceito considerar a fotografia como um modelo de veracidade e objetividade (…); na verdade, a fotografia fixa um aspecto da realidade que não passa de um resultado de uma seleção arbitrária e, portanto, de uma transcrição: entre todas as qualidades do objeto, apenas as qualidades visuais que se manifestam no momento e de um único ponto de vista".

A fotografia, ao distinguir e compor tanto o aspecto mais subjetivo (o gênio do próprio fotógrafo) quanto o aspecto mais objetivo (o registro pela lente fotográfica), é sem dúvida a que melhor nos faz compreender como o olhar é construído, esse elo entre o sujeito e o objeto. A realidade não pode ser reduzida nem ao sentido real objetivo, nem às representações subjetivas que dela fazemos. A realidade se constitui, no tempo e no espaço, em um constante movimento de vai e vem entre o sujeito e o objeto: uma trajetória que se expressa em uma configuração cultural e historicamente tipificada (Berque).


Reenquadramentos urbanos

Sou fascinado pela paisagem urbana.
Aspiro a uma expressão despojada, ao mesmo tempo descritiva e abstrata, buscando captar os elementos mínimos do jogo de linhas, superfícies, materiais, atmosferas, cores e sua combinação, para decifrar suas estruturas e padrões. A maioria das minhas fotos não contém pessoas, para evitar o aspecto anedótico. Essa seleção arbitrária, esse recorte (muitas vezes com partes fora do quadro) ou reapresentação (uma determinada apresentação de um determinado ângulo, com uma certa luz...), contribui tanto para a (re)construção (com interferências e retroações intensas entre o objeto fotografado e o fotógrafo), quanto para a interpretação (a complexidade das representações da realidade física do mundo).
Essa visão fragmentada da totalidade urbana selecionada pelo meu olhar pode abrir múltiplas paisagens urbanas: para uma mesma materialidade, várias representações são possíveis. Esse distanciamento contemplativo permite ler as formas espaciais urbanas em uma dimensão temporal ampliada: resultado tanto da sedimentação urbana passada quanto do campo de possíveis desenvolvimentos urbanos futuros, em uma subjetividade do olhar que constrói a paisagem urbana. Formas, atmosferas e materiais arquitetônicos ou urbanos convocam a imaginação e exigem imagens nas quais o significado dos símbolos humanos penetra.
Este trabalho visa, assim, extrair as dimensões imaginárias ou míticas da paisagem urbana: abrir os olhos do espectador através da linguagem dos lugares. Pretende criar uma cidade de símbolos, possibilitando uma outra espacialidade poética e mística (Certeau). Construindo "o cenário de uma mitologia cotidiana, um espaço de memória" (Ralph Eugène Meatyard).

Exposição “Reenquadramentos urbanos”, CMAV, Toulouse, abril-maio ​​2007